Nascido no calor do interior mineiro,
um pico se ergue, guardião do ano inteiro;
nuvens bordam o cenário,
e eis que surge — um canário.
Esvoaça, pousa, revoa,
sem pressa de chegar,
apenas a cultuar o ar.
Invejo a bondade de Deus para com os canários;
por um dia queria provar dessa generosidade:
esquecer as maldades,
vencer as tempestades,
e, mesmo se a natureza implicasse,
não temer a fragilidade.
Mas já não há tempo.
Acabou.
Apaga-se a esperança.
Imagino-me voando, voando,
mas caio em soturnas lembranças.
Nasci, não em pinheiro ou loureiro,
mas em árvore sem nome, anterior ao canteiro;
canto, sem tanta leveza,
vivo, sem tanta beleza,
e preso, não sei ser inteiro.
Da casa de tijolos que construí,
pintada à cor canário,
penso da varanda e me despeço
do livre pássaro que corta o ar
a poucos palmos do raso rio.
Tomo meu café;
do copo sujo dou vida à babosa,
que, cheia de graça, me diz:
— Da mesma terra que tece o amarelo,
brotam tuas pequenas alegrias.
Não sinta o irreal.
E assim, na princesa do vale,
criou-se uma harmonia completa:
um pico, um canário,
uma varanda
e um Alonso Quixano que,
na loucura mansa de si,
segue os conselhos de uma planta.