Há uma falta que em mim se fez morada,
A de uma história que não foi contada.
A de um colo que nunca me aninhou,
De um avô que a vida não me doou.
Falta a voz que tece um conto antigo,
Que me inventa um mundo, um doce abrigo.
Que mente um pouco, com um riso brando,
E lê na dúvida que estou guardando.
E se explica, num gesto, num olhar,
Antes que a boca aprenda a perguntar.
Falta o canto a escorrer pela varanda,
Um assobio que a brisa me comanda.
Falta a conversa atirada, sem porquê,
Sobre as paixões, a vida, o que há de ser.
Falta a mão que me chama pra correr,
A infância em brincadeira a se perder.
É uma ausência que dói, sem ter ferida,
Um pedaço de mim, de outra vida.
Um elo ausente na corrente minha,
Uma raiz que o peito não adivinha.
Mas quando o tempo me trouxer um filho,
E do seu olhar surgir um novo brilho.
Conforto este vazio que me acompanha,
Pois poderei quebrar a sorte estranha.
O que não tive, a ele vou doar,
Em meu abraço, ele há de encontrar
O colo, as estórias e a cantiga.
E em seu sorriso, a cura que me abriga.