Há alguns dias, venho escrevendo,
não com as mãos, mas nos pensamentos.
Palavras belas demais para caberem na vigília,
tecidas apenas nos corredores dos sonhos.
Hoje, ao abrir os olhos,
vi-as diante de mim,
numa concatenação perfeita,
e extasiado,
li, dentro de mim,
cada sílaba do melhor que já fui.
Pus-me a transcrevê-las em prosa.
Ingênuo? Crente? Talvez.
Talvez sim, por acreditar que poderia
trazer intacto para o papel
o que nasceu no silêncio da alma adormecida.
Chateei-me por essa ilusão.
Mas, sobretudo,
fiquei absorto no que restou da lembrança:
um fragmento que, mesmo incompleto,
fez-me sorrir —
um sorriso triste, é verdade,
mas sincero.
Porque há histórias
que apenas o íntimo entende,
e que, ainda assim,
insistimos em guardar,
como quem teme que, ao contá-las,
elas percam o brilho
de terem sido apenas nossas
e de mais ninguém.